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PL 490/07: Marco Temporal e o desrespeito com os povos indígenas

05 junho 2023

Na última terça-feira (30) foi aprovado pela Câmara dos Deputados, por 283 votos a favor e 155 contra, o Projeto de Lei (PL) 490/07, também conhecido como PL do Marco Temporal. 

Mas, você sabe sobre o que se trata o tal Projeto de Lei e o por quê ele tem causado tanta indignação entre movimentos indígenas, ambientalistas e entidades da sociedade civil? Quem você acha que irá se beneficiar desse resultado?

Dep. Célia Xakriabá e Ministra dos Povos Indígenas do Brasil (Sonia Guajajara) na Câmara dos Deputados © Bruno Spada.

O que diz o PL 490/07?

1. Projeto de Lei criado em 2007 pelo ex-deputado e líder ruralista, Homero Pereira, que tem como um dos objetivos transferir do Poder Executivo para o Legislativo a competência para realizar a demarcação de terras indígenas

O processo de demarcação de terras indígenas está regulamentado por um decreto presidencial de 1996, no qual atribui tal responsabilidade à Fundação Nacional do Índio (Funai). Mas, para realizar esse procedimento, é necessário seguir os seguintes critérios:

Ter a formação de um grupo técnico especializado, composto por servidores da Funai e coordenado por um antropólogo, além da participação em todas as fases da demarcação do grupo indígena envolvido. 

O grupo técnico, por sua vez, será responsável por realizar diversos estudos de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e fundiária, a fim de identificar e estabelecer a delimitação do território. O grupo também poderá consultar a comunidade científica ou outros órgãos públicos, caso precise fundamentar a sua pesquisa. Após a conclusão do trabalho de identificação e delimitação, o grupo técnico responsável apresenta um relatório ao presidente da Funai, que quando aprovado, publica no Diário Oficial da União. 

Vale ressaltar que do início dos estudos até 90 dias após a publicação, os Estados e municípios (em que a área será demarcada) têm o direito de solicitar idenização ou questionar, com base em provas, possíveis equívocos que possam ter ocorrido durante os trabalhos.

Após isso, a Funai é responsável por elaborar pareceres e encaminhar o processo ao Ministro da Justiça, o qual irá declarar os limites da área e determinar a demarcação física. Essas delimitações físicas serão aprovadas pelo presidente da República por meio de um decreto, que irá oficializar essas terras indígenas.

Por outro lado, o texto do PL 490/07 pede a retirada da demarcação de terras da Funai e a devolução da atribuição ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Manifestação contra a PL 409/07 (Marco Temporal), em Brasília © Bianca Feifel.

2. Estabelecimento de uma data fixa para definir quais terras pertencem aos indígenas

A PL 490/07 estabelece uma tese jurídica chamada Marco Temporal, nela, é dito que os povos indígenas têm direito de ocupar apenas as terras em que já estavam ou disputavam em 5 de outubro de 1988 (data em que a Constituição Federal entrou em vigor).

Existem inúmeros problema por trás disso, o primeiro deles é que a tese jurídica do Marco Temporal ignora completamente todo e qualquer tipo de violência sofrida pelos povos originários desde a chegada dos portugueses ao Brasil em 1500 até os dias de hoje. Diversas populações indígenas foram expulsas e obrigadas a saírem de seu território devido às ameaças, assassinatos e chacinas, o que os impossibilitava de estarem ocupando suas terras na data referida. 

Como é o caso dos Pataxós do Monte Pascoal, que haviam sido expulsos de seu território por madeireiros ilegais e só conseguiram retomar suas terras em 1999.

Acampamentos de garimpeiros em terras Yanomami © Bruno Kelly/HAY

A mesma coisa tem acontecido com os Yanomami, os quais têm sofrido constantemente nos últimos 30 anos com invasões de terras feitas por garimpeiros. Só em 2022 houve um aumento de 54% do garimpo ilegal no território indígena.

Além disso, segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), das 1.236 mil terras indígenas brasileiras, apenas 401 estão demarcadas; 306 estão no processo de demarcação; 65 se enquadram em outras categorias e 530 não tem nenhum tipo de previsão do Estado para dar início ao processo de demarcação.

3. O Projeto de Lei é inconstitucional

A tese do Marco Temporal fere a Constituição Federal, mais especificamente o artigo 231, o qual garante a demarcação de terra e proteção dos povos originários:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

A Constituição Federal diz que a posse e o uso das terras pelos indígenas tem um caráter tradicional, portanto, um elemento cultural e não temporal, logo, o estabelecimento de uma data fixa pelo Marco Temporal é completamente ilegal.

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